Google

16 de set. de 2007

Artigo: Liberdade de expressão e respeito à privacidade

A cobertura da mídia sobre determinados fatos da vida política do país vem pondo cada vez mais em questão os limites do exercício da liberdade de expressão. Em nome deste direito, os veículos da mídia empresarial falam o que querem sobre as pessoas, acusam sem provas, baseados em "indícios", "sentimentos" , e ficam impunes. Alguém já viu alguma prova sobre os "dólares enviados por Fidel para a campanha de Lula"? Alguém já viu provas sobre "a remessa de dinheiro das FARC ao PT"? Sérias acusações, publicadas sem provas, relegadas ao esquecimento, sem maiores conseqüências, e com a vendagem de revistas da semana garantida.

Ultimamente, no entanto, o abuso da liberdade de expressão vai indo além do denuncismo inconseqüente e vai entrando na seara da invasão de privacidade. O "flagra" do ministro Marco Aurélio Garcia fazendo gestos "desrespeitosos" no Palácio do Planalto foi um exemplo disso. O ministro em uma sala fechada faz um gesto de desabafo – diante da intensa cobertura irresponsável da imprensa sobre o acidente da TAM, que "testou hipóteses", nas quais o presidente da República sempre era o culpado – e é filmado por uma câmera escondida. As imagens, então, são divulgadas para chocar o país diante da "falta de decoro do ministro".

A hipocrisia da nossa classe média, horrorizada com o ato do ministro, obrigou-o a vir a público pedir desculpas pelos seus gestos, mesmo tendo-os realizado num ambiente fechado, na companhia de um colega de trabalho.

Sem consentimento
Como se não bastasse, continuamos a ser brindados com mais pérolas de mau jornalismo. O jornal O Globo publica uma matéria sobre conversas realizadas em algum tipo de "bate-papo" virtual pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. Durante o julgamento, um ministro e uma ministra do Supremo conversavam, discutindo alguns entendimentos sobre o caso em questão – o julgamento do "mensalão" – e conversando outros assuntos, dentre eles a sucessão do ministro Sepúlveda Pertence, quando um fotógrafo fez então fotos do monitor de um dos ministros, publicando no jornal o teor das conversas.

A publicação ganha um tom de sensacionalismo, como se fosse algo do outro mundo ministros de um órgão colegiado conversarem sobre a matéria do caso, e até sobre outras questões pertinentes ao tribunal, durante o julgamento. E publicam o teor das conversas sem o consentimento dos ministros. Após o julgamento, um "jornalista" escuta em um restaurante uma conversa telefônica do ministro Lewandowski e, lógico, publica o teor da conversa. Daí fica a pergunta: até onde vai a liberdade de expressão?

Descontrole do mercado
A Constituição Federal assegura a liberdade de imprensa, a livre manifestação do pensamento. Assegura também, no entanto, o direito à intimidade e à vida privada. Em nome da tão propalada "liberdade de expressão", que no Brasil só é exercida pelos poucos veículos da mídia empresarial, invade-se a privacidade das pessoas. E pior, a invasão da privacidade é banalizada.

A intimidade só é preservada quando interessa a esses veículos – vide o caso do filho que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso teria com uma ex-jornalista da Rede Globo, matéria publicada pela revista Caros Amigos, fato esse ignorado pelos "grandes" veículos por "fazer parte da vida privada do presidente", critério não mantido no caso Renan Calheiros.

O jornalismo – se assim ainda pode ser chamado – praticado pela "grande" imprensa, com tamanha manipulação ideológica e falta de critérios na apuraçãodos fatos, superou há muito tempo todos os limites do mau gosto e da falta de respeito para com o público. Em nenhum país democrático do mundo a mídia tem a impunidade que tem no Brasil.

O país precisa urgentemente de algum tipo de controle social sobre os veículos de mídia, sob pena de continuarmos à mercê do descontrole do mercado, do sensacionalismo, do lucro.

Rodolfo Cabral é mestrando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Nenhum comentário: