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8 de out. de 2007

Artigo: Drogas – Legalizar?

Raul Bradley da Cunha

Visitando este blog vi a pesquisa posta aqui ao lado questionando se sou a favor da legalização das drogas. O questionamento, evidentemente, diz respeito às drogas hoje consideradas ilícitas.

Passei a refletir sobre o tema, sobre o qual já tive opiniões diversas e hoje, com uma filha praticamente pré-adolescente encontrei-me totalmente sem resposta.

Recentemente ouvi uma piada que se aplica bem ao tema e piadas quando se relacionam à realidade em nosso entorno sempre resultam em boas reflexões.

João, dirigindo seu carro em alta velocidade, passou por um sinal vermelho e imediatamente depois foi parado por um fiscal de trânsito que perguntou: O Senhor não viu que o sinal estava vermelho? Ao que João respondeu — O sinal eu vi, não vi foi o Senhor!

Quando se fala em drogas como em muitos outros grandes temas a grande questão que se põe é a da hipocrisia reinante. Qualquer interessado em estudar nosso Direito percebe que somos um país em que a legislação não é levada a sério. Escolhemos que leis vamos cumprir. Nossas classes mais favorecidas começam deseducando seus filhos parando o carro no meio da rua para que eles desçam na escola porque não há vagas por perto para estacionar ou porque estão com pressa. Passamos no sinal vermelho, atravessamos fora da faixa de pedestres ou paramos em local proibido se não houver fiscalização. Isso é mais grave nas nossas classes mais favorecidas, uma vez que sendo instruídas deveriam servir de exemplo, mas pelo contrário, utilizam-se do descumprimento recorrente da lei como sinal de poder.

Quando os filhos das classes mais altas começaram a ser presos e processados por consumo de drogas a máscara da hipocrisia ruiu em parte e chegamos ao ridículo quadro atual em que deve ser punido rigorosamente quem comercializa, mas deve haver benevolência com quem consome drogas ilícitas.

É totalmente absurda nossa legislação quando pune com rigor o tráfico, mas praticamente exime o usuário de drogas de punição. Não há tráfico sem usuário nem usuário sem comércio. A grande questão é que não podemos continuar como estamos. Diante da nossa legislação o aparelho estatal impedido de punir o consumo está "enxugando gelo", pois a cada dia cresce mais impunemente o número de usuários. Ou se fortalece o combate ao consumo, inclusive punindo os usuários vez que é para estes que existe o tráfico, ou se legaliza de vez a produção, industrialização e comércio de drogas hoje consideradas ilícitas, com um controle estatal rígido.

Nunca fui usuário de drogas ilícitas não por falta de oportunidades ou por preconceitos contra quem as usa, minha “caretice” foi fruto da consciência de que através do consumo eu estaria estimulando e bancando o tráfico e todos os crimes que são praticados para garantir os lucros dos traficantes.

Excluindo-se a norma atual cuja contradição entendo ser causadora do problema do crescimento do tráfico, o questionamento deve ser enfrentado sob o seguinte prisma: qual o mal maior?
a) Legalizar o Tráfico decorrente do uso indiscriminado e rezar para que com a legalização a criminalidade dele decorrente (corrupção, homicídos, assaltos, etc) se acabe;
b) Aumentar o rigor da punição aos usuários que hoje na prática impunemente financiam o tráfico (e tudo de ruim que o acompanha).

Entendo que cada homem tem direito escolher ser ou não usuário de drogas, como tem direito de fumar ou não, de comer muito açucar... Como dizem os antigos o veneno está na dose e não na substância. Contudo, qualquer escolha que se fizer redundará no problema do déficit do aparelho policial e da cultura de nossa sociedade. Se a polícia for eficiente e formos educados para cumprir as leis não precisamos mudar a legislação. Não há tráfico ilícito com aparelho repressor (polícia, MP e Judiciário) eficientes.

Pelo pouco que conheço do nosso país, contudo, não vejo saída a curto prazo senão pelo maior rigor na criminalização do consumo e pelo fortalecimento do aparelho policial não necessariamente nessa ordem.

Assim nenhuma das respostas da pesquisa me contenta, pois mantido o aparelho policial atual não basta ser contra a legalização para reduzir o tráfico é necessário ser favorável a uma mais rigorosa criminalização do consumo. Da mesma forma legalizar o tráfico sem um aparelho estatal que controle eficazmente a produção e comercialização transformaria o país num paraíso de bandidos.

Independentemente da legalização ou não das drogas hoje consideradas ilícitas o que falta em nosso país é antes de tudo o cumprimento da Lei vigente e o combate eficaz aos que a descumprem, e isto não acontecerá com o trabalho isolado de legisladores, policiais, promotores ou juízes.

É preciso que a sociedade como um todo participe tanto cometendo menos pequenos delitos, quanto denunciando e censurando aqueles que os cometem, educando seus filhos para cumprirem as leis e quando discordarem dela lutarem democraticamente para sua modificação.

Reflitamos sempre.

Raul Bradley da Cunha é advogado e professor universitário em Pernambuco.

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