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24 de set. de 2007

Reflexões de Tobias

“...Daí, por certo, o espetáculo pouco edificante do grande número de moços, que entram nas faculdades jurísticas com o ardor e a impaciência de quem vai, porventua, cavar um tesouro, porém delas se retiram com a triste desilusão de quem, em vez do tesouro sonhado, encontrou apenas uma camada de greda, ou uma caveira de burro. Entretanto importa reconhecer e dizê-lo alto bom som: a mocidade não é culpada dessa indiferença e quase tédio, que se lhe nota em relação aos estudos jurídicos. O mal provém de outra fonte; e eu não sinto a mínima dificuldade em indicá-la.

O mal provém do corpo docente, cujo talento de instruir, salvo uma ou outra árvore viçosa no campo sáfaro da regra comum, consiste justamente, bem ao invés do que pensava Rousseau, em fazer que os discípulos se horrorizem da instrução.

Ainda pior do que isso: o corpo docente, que aliás não se compõe somente de velhos, - ou seja porque lhe falte o gosto da ciência pela ciência mesma, sem o qual não há progresso científico possível, ou por qualquer outro motivo psicológico, que escapa às vistas do observador, o certo é que contribui não pouco para esse estado de languidez e inanição moral, que forma o apanágio do bacharelato, a quem de antemão se afeiçoa para ser, ao lado dos padres e dos soldados, uma guarda de honra do trono e do altar.

A mocidade, repito, não é culpada do mal que a estraga e inutiliza, ou se alguma culpa tem, é compensada por igual se não maior porção de responsabilidade dos mestres. Estes se queixam, como é natural, de que o corpo discente hodierno só se assinala pela falta absoluta de gosto e aplicação. Estou de acordo. Porém é justo que se procure para o fenômeno uma explicação mais razoável, e não tão desairosa, como a que se costuma dar.

A inércia dos moços, a falta de gosto que neles se encontra, em vez de ser um demérito, é, a meu ver, - perdão para o paradoxo, - uma coisa que, bem examinada, mais os eleva do que os humilha. No péssimo e desastroso sistema de estudos superiores que entre nós permanece inalterável, a mocidade talentosa sente-se obrigada a reagir, mas só acha um meio pronto de reação: - é não estudar.

Este protesto mudo, como todos do mesmo gênero, é certamente ineficaz e estéril, no sentido de abrir caminho a uma cura da velha doença, porém ao menos pode ser aproveitado como indício de que tudo ainda não está perdido; e tanto basta.

Eis a verdade, dura e amarga, mas sempre verdade. Todavia não quero hiperdiabolizar o diabo, fazê-lo mais preto, ou conferir-lhe um rabo maior do que ele realmente tem. Nec ridere nec lugere res humanas fas est, sed intelligere.

O professorado jurístico não é decerto um grupo de estrelas, nem mesmo de segunda grandeza, mas não é também inteiramente imprestável; ao contrário, há nele mais de uma força a quem somente falece o meio adequado, para tornar-se fecunda e superior. Essa condição mesológica, porém, está menos no clima, no ambiente social mesmo, do que na intuição científica moderna.

Os nossos professores são em geral uns Epimênides, que adormecem sobre o travesseiro de meia dúzia de alfarrábios, e, quando despertam, depois de dez, vinte anos de sono, é com a crença inabalável de que as coisas se acham no mesmíssimo pé, em que eles as deixaram.

Releva mostrar que estão iludidos. Não raras vezes a ilusão representa o papel de uma grande potência etiológica no domínio da patologia cerebral; - faz-se mister combatê-la”.

(BARRETO, Tobias. Introdução ao Estudo do Direito: Política Brasileira. São Paulo: Landy, 2001, p.58-61)

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