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17 de set. de 2007

O MEC e o ensino jurídico

Diante da proliferação desenfreada de faculdades de direito, que hoje oferecem 223 mil vagas em 1.078 cursos em todo o País, dos quais 55% estão localizados na Região Sudeste, o Ministério da Educação (MEC) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) finalmente decidiram estudar um novo “marco regulatório” para o setor. A idéia é redefinir as diretrizes para a abertura de novos cursos e estabelecer as providências a serem tomadas com relação aos 87 estabelecimentos cuja qualidade é considerada péssima pelo MEC e pela OAB.

Os nomes das instituições que serão enquadradas por exigências saneadoras e medidas punitivas não foram divulgados. Foi citado apenas o caso de uma escola sediada no Rio de Janeiro, que oferece mil vagas por ano e não teve um único bacharel aprovado no último exame de habilitação profissional aplicado pela OAB.

Para identificar esses 87 estabelecimentos cujo ensino é considerado crítico, o MEC e a OAB cruzaram os dados do “Exame da Ordem”, um pré-requisito para que os bacharéis possam advogar, com os resultados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). Foi a primeira vez que isso ocorreu, desde a implantação, há onze anos, dos mecanismos de avaliação do ensino superior. As piores faculdades são as que aparecem nos últimos lugares das duas listas - a do Enade e a da OAB.

Esta semana, uma comissão formada por juristas dos dois órgãos divulgará uma “nota técnica” com as medidas que serão aplicadas a essas escolas. Entre as exigências, destacam-se a suspensão de novos processos seletivos, a redução do número de vagas, a reestruturação do corpo docente, a expansão de bibliotecas, a redefinição do projeto pedagógico e até o fechamento de cursos, com a transferência de seus alunos para outras instituições. A partir de outubro, representantes do MEC e da OAB começarão a visitar essas 87 faculdades.

Segundo o ministro Fernando Haddad, cada etapa foi cuidadosamente planejada com base na legislação em vigor, para evitar que as escolas a serem punidas tenham pretexto para pedir liminares aos tribunais. “O que existe é um novo mecanismo de aferição de qualidade. Precisamos constituir um procedimento administrativo que dê a segurança necessária às decisões a serem tomadas. É fundamental que tenhamos um marco regulatório juridicamente estável, para evitar o risco de aplicar uma medida e depois ter de suspendê-la por ordem judicial”, diz o ministro.

O aumento do rigor com relação aos cursos caça-níqueis, no campo do ensino jurídico, merece aplauso. Mas foi preciso que a qualidade da educação nessa área do conhecimento se deteriorasse a níveis alarmantes, para que a OAB e o MEC decidissem agir conjuntamente. Até recentemente, o Conselho Federal da OAB tinha a prerrogativa de se manifestar com relação ao pedido de abertura e reconhecimento de novas faculdades de direito. Mas, como esses pareceres eram meramente “opinativos”, eles não condicionavam as decisões do MEC. Tanto que, das últimas 20 autorizações dadas pelo governo para a instalação de novos cursos, apenas 1 recebera parecer da OAB.

O presidente da entidade, Cezar Britto, chegou a classificar como “desrespeito ao serviço histórico da OAB” o desprezo aos pareceres emitidos pelo Conselho Federal da corporação. Na defesa das decisões do MEC, vários técnicos alegaram que determinados pareceres haviam sido redigidos não com base em critérios técnicos, mas só para favorecer determinados grupos empresariais do setor educacional, que temiam perder mercado com o aparecimento de cursos concorrentes. Em outras palavras, a OAB estaria utilizando os pareceres com o objetivo de assegurar “mercado cativo” para as faculdades já existentes. Integrantes da entidade contra-atacaram, afirmando que o MEC teria cedido a pressões políticas ao autorizar a criação de novos cursos sem parecer favorável da OAB.

Com a superação dessa divergência, o governo já anunciou a disposição de aproveitar a experiência conjunta com a OAB para estendê-la aos cursos de medicina. Dependendo do modo como essas medidas saneadoras forem implementadas no campo do ensino jurídico, elas podem ser decisivas para melhorar a qualidade do ensino superior.

Editorial do Estado de São Paulo em 17/09/2007.

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