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27 de mar. de 2007

Artigo: Greve no serviço público

Recentemente o presidente Lula se pronunciou no sentido de apressar a regulamentação do direito de greve no serviço público. A acusação de que há abusos nos movimentos paredistas não causou boas impressões, principalmente em virtude da situação econômica dos servidores.

O direito de greve é garantido pela Constituição, tanto para trabalhadores celetistas, quanto para servidores públicos, consoante normas dos arts. 9º e 37, VII da Carta de 1988. Contudo, após a Emenda Constitucional nº 19/98, a última norma dispõe que a greve será exercida nos termos e limites de lei específica, ainda não criada. Há dificuldades em disciplinar e entender o mandamento constitucional, a partir de então.

Inicialmente porque a mesma emenda acabou o regime jurídico único, possibilitando a contratação de servidores celetistas, para a administração direta, autárquica e fundacional, sendo esta uma tendência de privatização do direito, em decorrência da liberalização. Mesmo não sendo uníssono, parece mais razoável a utilização da Lei de Greve (lei 7.783/1989) para os servidores que possuem o regime da CLT, pois o Estado possui o privilégio de admitir em seu quadro funcional servidores com maiores garantias, estatutários ou com um regime jurídico mais precário, celetistas. Sendo assim, este não poderá se escudar na obediência à legalidade apenas administrativa, caso contrário estará se locupletando de uma prerrogativa, o que caracteriza o abuso do direito, inaceitável em uma democracia.

Por outro lado, sabe-se que a greve dos servidores estatutários é uma realidade, mais fática que jurídica. E sendo a greve constitucionalmente garantida aos servidores, de qualquer regime, a espera pela boa vontade do legislador torna o art. 37, VII da Constituição uma alma sem corpo. Se existe uma lei de greve, que a utilize todo o funcionalismo, até que a omissão seja suprida, evitando outros abusos, como o da não regulamentação, há 19 anos.

A greve é o conflito máximo existente entre os trabalhadores e quem administra a mão-de-obra, permitido pelo direito, o que é conhecido como autotutela: quando uma das partes pretende que a outra reconheça suas pretensões. Assim, o formalismo jurídico não pode servir como empecilho para que a sociedade se contraponha às péssimas condições de trabalho e aos reajustes irrisórios que não mantêm o valor real do salário, principalmente na saúde, segurança e educação e, em paralelo a precaríssima prestação de tais serviços que, por sua natureza, são essenciais em qualquer sociedade civilizada.

O difícil de aceitar é a utilização da autotutela justamente para que o Estado cumpra outros preceitos constitucionais, quando esta é sua obrigação, pois é um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e um dos objetivos promover o bem de todos.

Se só agora existe pressa para a regulamentação da greve no serviço público, supostamente para evitar abusos, que se deixe claro que as obrigações são recíprocas e a nova lei não poderá manietar a capacidade de utilização deste instituto para exigir que o Estado cumpra seus encargos, uma vez que abuso é a perda da condição salarial e conseqüentemente da qualidade de vida que os servidores públicos suportam nos últimos dez anos, ainda que isto não seja exclusividade destes trabalhadores. Além do mais, outros direitos não são respeitados pelo Estado, como os direitos à segurança e à vida, nessa guerra civil que vivemos. Isto sim é abusar, mais uma vez por omissão, porque neste caso, lei existe.

Fábio Túlio Barroso é advogado e professor universitário.

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